Ao longo de minha caminhada cristã, não foram poucas as vezes em que me encontrei cercado por circunstâncias adversas. Em várias situações, carreguei dentro de mim o sentimento de que não conseguiria sair de determinada situação. Se não bastassem os problemas externos que me afligiam, meu ânimo se encontrava debilitado, e sentimentos contraditórios me deixavam ainda mais confuso. Para completar o cenário caótico, em alguns desses momentos, outro elemento intensificava ainda mais a crise: a sensação de que Deus não estava ouvindo minhas palavras ou olhando por mim.
Apesar de ouvirmos pouco acerca desses momentos, eles existem de fato ao longo da jornada cristã. Descrevendo sua angústia em uma dessas fases, João da Cruz chamou tal período de “a noite escura da alma”. Eu, particularmente, tenho optado por chamá-lo simplesmente de deserto.
O deserto, como espaço geográfico, é árido, desolado e transmite a sensação de ausência de vida e iminência de morte. No entanto, na espiritualidade bíblica, o deserto não é lugar de perdição, mas de encontro. Nas Escrituras, ele aparece inúmeras vezes como cenário onde pessoas são surpreendidas pela presença de Deus e por Seu cuidado gracioso.
Assim, o deserto pode ser:
Um lugar para onde somos conduzidos pelas circunstâncias, como Davi;
Um lugar buscado voluntariamente para comunhão com Deus, como Jesus;
Um momento existencial marcado por adversidades, decepções, enfermidades, crises e perdas.
É um tempo que não gostaríamos de atravessar, mas que, no futuro, revela-se essencial para nossa formação espiritual.
Alguns acreditam que o tempo de deserto representa grande perigo para sua caminhada com Deus. Temem que, diante das pressões externas e lutas espirituais, possam desanimar ou até abandonar a fé. No entanto, as histórias bíblicas revelam o oposto:
No deserto, servos do Senhor são lapidados, tomam consciência do amor de Deus e descobrem sua vocação na história.
É ali que, ao invés de se perderem, são encontrados pelo Pai.
Há, porém, um lugar muito mais perigoso para a espiritualidade genuína do que o deserto: o palácio — símbolo de poder e fartura.
No palácio:
Sentimos que tudo está sob nosso controle;
Acreditamos não precisar tanto de Deus;
Atribuímos nossas conquistas à nossa própria força;
Baixamos a guarda e confiamos excessivamente em nós mesmos.
É nesse contexto que dinheiro, sexo e poder se tornam mais sedutores, levando muitos à ruína. As biografias bíblicas e da história cristã confirmam:
a maioria das quedas espirituais ocorre nos palácios, não nos desertos.
Somos convidados a desenvolver uma espiritualidade que transita por ambas as realidades.
A confiar no caráter de Deus;
A nos submeter aos Seus desígnios;
A descansar mesmo quando Sua vontade não corresponde à nossa.
Exercitar humildade;
Reconhecer que tudo vem das mãos do Senhor;
Entender que bênçãos não são privilégios, mas responsabilidades.
Cada espaço traz suas próprias armadilhas:
Desertos: amargura, dúvida e desconfiança;
Palácios: autossuficiência, orgulho e ilusão de controle.
Com essa consciência, entendemos melhor as palavras de Paulo em Filipenses 4.10-13:
“Alegro-me grandemente no Senhor (…) pois aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância.
Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura.
Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação,
seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito ou passando necessidade.
Tudo posso naquele que me fortalece.”
Aprender a cruzar desertos e a viver nos palácios é tarefa que exige uma vida inteira de oração e dependência de Deus. Mas é preciso concordar plenamente com o apóstolo: tudo podemos no Senhor.
Somente isso explica o fato de que, apesar dos desertos e palácios, ainda estamos firmes — e, apesar dos tombos e deslizes, continuamos no caminho.
Pr. Ricardo Agreste – IPB Chácara Primavera, Campinas/SP
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