“Todos estes viveram pela fé, e morreram sem receber o que tinha sido prometido; viram-no de longe e de longe o saudaram, reconhecendo que eram estrangeiros e peregrinos na terra.”
— Hebreus 11.13
Recentemente fui apresentado aos escritos de Zygmunt Bauman, sociólogo polonês. O que parecia apenas uma nova descoberta acadêmica transformou-se em um profundo insight para minha compreensão pessoal e pastoral acerca de uma das maiores barreiras impostas pela nossa cultura contemporânea ao desenvolvimento de uma espiritualidade bíblica consistente e saudável.
Dentre as imagens utilizadas por Bauman para representar o homem e a mulher modernos, uma me chamou atenção: o turista.
Turista é aquele que:
visita muitos lugares,
não pertence a nenhum deles,
se deslumbra ou desdenha conforme suas próprias comparações,
e, acima de tudo, não se compromete.
Ele está sempre de passagem. Sua maior motivação é encontrar novas experiências, novos pontos de interesse, novos cenários. Tudo gira em torno do consumo de sensações.
Em contraposição, Bauman apresenta a imagem do peregrino, quase extinto na cultura atual.
O peregrino:
não está numa aventura de entretenimento,
mas numa jornada com início, meio e fim,
movido por uma missão,
consciente de que a realidade última está adiante,
e de que cada passo faz parte de seu preparo para o destino final.
Na espiritualidade cristã, essa imagem é recorrente. Discipulos de Cristo são frequentemente chamados de peregrinos, pois sua vida também se define por referências semelhantes:
consciência da eternidade,
sensibilidade ao processo de transformação ao longo da caminhada,
senso de missão entre os lugares e pessoas que atravessam.
Observando muitas igrejas hoje, percebemos que muitos cristãos se assemelham mais a turistas do que a peregrinos.
Estão ali para:
usufruir do ambiente,
degustar informações,
experimentar sensações espirituais.
Mas tão logo se saciam, vêm o tédio e a necessidade de buscar um “novo destino espiritual”. Como resultado, algumas igrejas se transformaram em centros turísticos, oferecendo “atrações”:
pregadores famosos,
momentos de adoração emocionantes,
experiências de oração que prometem persuadir Deus.
Essas atrações variam, mas refletem um problema comum: uma espiritualidade consumida como entretenimento.
A cultura dos “turistas espirituais” torna impossível o desenvolvimento de uma fé sólida. Eis algumas razões:
Turistas buscam prazer pessoal e entretenimento.
Peregrinos têm uma vocação a cumprir ao longo de sua jornada.
Turistas consomem ambientes.
Peregrinos estabelecem relacionamentos e integram experiências na construção da maturidade.
Turistas são movidos pela próxima atração, evitando constância.
Peregrinos caminham na mesma direção com perseverança — essência da jornada cristã.
Turistas cultivam vínculos frágeis e descartáveis.
Peregrinos encontram nos companheiros de caminhada consolo, confronto, encorajamento e sabedoria.
Turistas não têm compromisso com o mundo ao redor.
Peregrinos sabem que sua missão inclui ser “próximo” dos necessitados e ser “luz” e “sal” na sociedade.
Ao pensar nessas duas imagens, surge um inevitável questionamento:
Tenho vivido como turista ou como peregrino?
Em relação a mim mesmo?
Em relação à comunidade cristã?
Em relação ao mundo?
E mais:
O que aconteceria com nossas vidas, comunidades e sociedades se rejeitássemos a postura de turistas e abraçássemos a vocação de peregrinos?
Pr. Ricardo Agreste
Pastor da Igreja Presbiteriana Chácara Primavera
Campinas – SP
55 31 3825-1644
secretaria@ipbcariru.com.br